Safety Fear

Sinto-me farta. Completamente farta. De tudo. De todos. Tédio. Aborrecimento. Rotina. Sempre as mesmas caras. Sempre as mesmas ruas. Estou farta. Não as odeio. Não é isso. O problema está em mim. O pavio acabou-se. O que me fazia viver aqui já não me pode suportar. Gastei os meus créditos. Gastei o ar todo daqui. Sufoco. Atingi a meta. Mas preciso de continuar a correr. Preciso de outra corrida. Vou-me embora. Preciso de me ir embora. Quero ir embora. Mas não vou. Não vou porque estou presa. Presa à rede de segurança. Não me agarro aos trapézios nem desço para o chão. Fico na rede. No limbo do intermédio. No intervalo. Espero que o filme comece. O meu filme. O filme da minha vida. Mas a publicidade teima em demorar. Intervalo. Intermezzo. Um compasso de vida. Não é vida, é só espaço de tempo entre nascer e morrer. Não se passa nada. Marasmo. Mera espera. Estou numa estrada. Viajo, viajo, viajo. Mas a paisagem para lá da janela é sempre a mesma. E nunca estou lá. Estou sempre dentro do carro. Nem na estrada toco. São as rodas. São as rodas que me levam para lugar nenhum. São as rodas que não me deixam parar em ninguém. Quero parar. Quero sentir o alcatrão. A relva. A terra. Quero sentir algo que não eu. Quero fugir. Estou farta desta paisagem. Meto-me nojo. Devia-me contentar com os passageiros do meu carro. Mas não, não consigo. Quero abrir a porta. Saltar em movimento. Partir os ossos no chão, mas senti-lo. Finalmente sentir algo que não os estofos macios do carro.